Como a mente e o corpo dialogam? As neurociências conseguem nos dar algumas pistas? Como podemos usar os conhecimentos da relação corpo-mente para cuidarmos melhor de nossa saúde? Vamos conversar a seguir sobre essas questões e buscar trazer reflexões que possam nos ajudar no equilíbrio de nossa saúde. Vamos tentar usar uma linguagem acessível mas também termos científicos básicos para quem quiser se aprofundar no assunto.
Na Grécia (400 a.C.), Platão afirmava que não se podia curar o corpo sem curar a alma. A palavra psicossomática vem da união de mente (psyché) e corpo (somatikós) sugerindo um todo, amplo e indivisível. O conceito que usamos atualmente para psicossomática foi proposto há cerca de dois séculos pelo médico alemão Johann Heinroth (décadas antes da psicanálise de Freud!). Heinroth usou o termo psicossomática para descrever como a insônia – um sintoma fisiológico – estava ligada a acontecimentos do dia a dia, ao estresse e demais questões relacionadas à vida da pessoa. Além disso, seus trabalhos enfatizavam a espiritualidade como dimensão da experiência humana fundamental para a saúde. O próprio Heinroth também reconhecia que problemas no funcionamento do corpo, por sua vez, poderiam levar à insônia, mostrando assim, uma visão ampliada, não restrita à causa “psicológica”.
Hoje em dia a psicossomática médica é uma especialidade que cuida das relações entre os transtornos mentais e outros problemas de saúde. Baseia-se no modelo “biopsicossocial”, que amplia a visão ecológica do “bio” (células, tecidos, órgãos, sistemas, etc.), “psico” (pensamentos, crenças, valores, etc.) e “social” (ambiente e meio ao redor), da pessoa e de suas relações, como um ecossistema.
Agora, para entendermos a relação mente-corpo à luz das neurociências precisaremos conhecer alguns mecanismos da resposta ao estresse, ou seja, as adaptações do organismo a novas situações. Mudanças fazem parte da vida, mas se estiverem em excesso, ou a reação a essas mudanças estiver desequilibrada, isso poderá desencadear em problemas de saúde. A partir do momento que o estresse é percebido pela mente, o cérebro (via hipotálamo) envia sinais nervosos e hormonais para o restante do corpo, especificamente para pequenas glândulas localizadas acima dos rins chamadas adrenais, liberando adrenalina. Essa substância acelera o coração, aumenta a pressão arterial, de forma que o sangue circule com eficiência para o corpo em ação.
As adrenais liberam também o cortisol, um hormônio que aumenta a glicose no sangue para dar mais energia para o corpo, altera o sistema imunológico e suprime sistemas não essenciais no momento do estresse (situações de alerta, perigo), como aparelho digestivo e reprodutor. Por sua vez, substâncias produzidas no sistema imune ativado pelo estresse e o cortisol atuam de volta no cérebro, mostrando que esta comunicação é cíclica.
Esse estresse imediato (agudo) – como a ameaça de uma onça no caminho, vivenciada por nossos antepassados (o que, hoje em dia, seria como dar de cara com um cachorro bravo em nossa caminhada matinal) – desencadeará uma reação imediata conhecida como “luta ou fuga”, que é fundamental para reagir a uma nova situação desafiadora. Passado o estresse agudo, a química do corpo e do cérebro voltam ao estado habitual.
Contudo, se este sistema for ativado repetidamente por muito tempo (estresse crônico) – seja por situações adversas no trabalho, na família, seja por doença, pela situação econômica, dentre outros (por exemplo hábitos de vida, como sedentarismo e hiper conexão às tecnologias, especialmente às redes sociais e noticiários). Podendo gerar um estado de alerta crônico, com níveis elevados de cortisol levando a complexas alterações nos processos inflamatórios no organismo (não é uma inflamação aguda como numa dor de garganta ou quando machucamos, que fica inchado e vermelho, mas são mecanismos lentos de liberação de substâncias parecidas que nos ajudam na cicatrização quando machucamos, mas se estiverem altas e por muito tempo vão desregulando o corpo).
A longo prazo, esse estado inflamatório pode desencadear uma série de efeitos negativos no funcionamento de diversos órgãos (aqui entendemos algumas das razões porque atualmente são comuns problemas crônicos de saúde, como hipertensão, diabetes, obesidade, etc.), inclusive do cérebro (o cortisol e inflamação podem alterar a química do cérebro, contribuindo para quadros depressivos; a própria depressão está associada a ativação desses fatores inflamatórios que podem afetar o funcionamento do corpo todo).
Então como podemos atuar de modo a deixar nosso eixo cérebro-mente mais saudável? Você se lembra do que falamos sobre o estresse? Uma coisa é uma situação nova e outra coisa é como reagimos a ela. Sim, cada pessoa, com seu histórico de vida, sua personalidade, com sua realidade, com seu corpo, vai reagir de uma maneira diferente, não é mesmo? Devemos ter em mente que existem acontecimentos ou situações de vida que não podem ser mudados, mas podemos tentar mudar a forma como reagimos a estes acontecimentos. E, para isso podemos lançar mão de uma série de estratégias, como as psicoterapias, atividades voltadas para o relaxamento do corpo e da mente (massagens, acupuntura, yoga, por exemplo), acompanhamento por uma profissional de saúde mental, meditação e diversas práticas saudáveis que nos auxiliam a reagirmos ao estresse de maneira equilibrada.
Através das práticas de meditação que trazem a atenção para a respiração estamos conectando mente e corpo, focando no agora. Essa modalidade de meditação fortalece a comunicação, a sintonia do corpo e da mente, promovendo saúde. De modo contrário, ao ficarmos excessivamente expostos às telas e redes sociais a mente estará a “mil por hora”, contrastando com o corpo parado, podendo levar a um descompasso nesse diálogo. Lembrando que, quando bem empregada, a tecnologia pode nos ajudar na promoção da saúde. Existem aplicativos com meditações guiadas, textos (como este aqui J) e vídeos que podem ser consultados visando aprimorar a saúde. Aproveito para sugerir o texto “Mindfulness o cultivo da atenção plena”. Se ainda não leu, confira aqui em nosso blog! As redes sociais, se utilizadas com intenção, também possuem informações motivacionais para estilos de vida saudáveis e podem ajudar a conectar pessoas.
Dentre outras formas de enfrentamento do estresse estão as atividades físicas que ajudam na redução dos níveis de cortisol e condicionam o corpo para que consiga se manter saudável aos acontecimentos inevitáveis da vida. As relações sociais também são fonte de apoio para lidar com situações desafiadoras, ajudando a encontrar apoio no enfrentamento do estresse. Não menos importante, é preciso ficarmos vigilantes na forma como nutrimos o nosso corpo. Uma alimentação rica em massas, frituras, industrializados e açúcar poderá ativar processos inflamatórios do corpo. Lembra que um dos efeitos do estresse era ativar esse estado inflamatório? Lembra que essa inflamação leva a várias doenças no corpo e na mente? Já uma alimentação equilibrada ajuda no funcionamento destes mecanismos que o organismo possui para adaptar-se, auxiliando na resposta saudável ao estresse. Vamos lembrar que o sono também é alimento para nosso corpo e recomendo, para quem nunca ouviu falar, pesquisar sobre “higiene do sono”.
Então, que tal colocar em prática o que achou interessante e convidar outras pessoas a fazerem o mesmo junto com você? Esperamos você para nossa próxima conversa.
Referências:
Barbosa IG, et al. Psicossomática: psiquiatria e suas conexões. In: Murad, M.G.R; Fábregas, B.C; de Oliveira, G. N. M. Psicologia Médica. Rio de Janeiro: Rubio, 2014, p. 43-52.
Kiecolt-Glaser JK. Stress, food, and inflammation: psychoneuroimmunology and nutrition at the cutting edge. Psychosom Med. 2010 May;72(4):365-9.
Steinberg H, Herrmann-Lingen C, Himmerich H. Johann Christian August Heinroth: psychosomatic medicine eighty years before Freud. Psychiatr Danub. 2013 Mar;25(1):11-6.
Russell G, Lightman S. The human stress response. Nat Rev Endocrinol. 2019 Sep;15(9):525-534.
Wolfers LN, Utz S. Social media use, stress, and coping. Curr Opin Psychol. 2022 Jun;45:101305.
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