Nasci na cidade grande, em plena capital do Rio de Janeiro. Como de costume, na escola onde estudei passava a manhã realizando atividades dentro da sala de aula, mais trinta minutos de recreio. Uma vez, no sétimo ano, a professora de ciências resolveu fazer atividades na horta da escola – quatro canteiros abandonados, escondidos entre muros, que alguns sabiam que era a horta, outros nunca deviam ter reparado naquele espaço. Era tanta emoção em sair da sala de aula para fazer uma atividade prática e ao ar livre, que infelizmente, nossa professora não conseguiu seguir muito adiante com o seu projeto. Era difícil acalmar 30 crianças que se sentiam presas. Por fim, ela desistiu de ir para a horta conosco e nossa vida escolar seguiu sem grandes impactos, afinal, que grande relevância mexer na horta teria para as nossas vidas?
Nessa época, de fato, eu não conseguia associar como mexer em uma horta poderia trazer algum benefício para meu desenvolvimento pessoal, ou de qualquer outra criança ao meu redor. Todavia, com o passar do tempo, comecei a trabalhar com agricultura, e tantos foram os aprendizados que obtive tendo a natureza como professora, que hoje trabalho em uma horta escolar com crianças e adolescentes, diariamente cuidando de si enquanto cultivam a terra.
Uma horta ou um jardim, por mais simples que pareçam, são verdadeiros laboratórios a céu aberto, onde podemos observar e experimentar os ciclos da vida, da morte e da renovação. A observação do crescimento de uma planta, desde a pequena semente até a planta adulta e frutífera, é uma lição de paciência e perseverança. A natureza nos mostra que tudo tem seu tempo, e que os resultados nem sempre são imediatos. Além do que, é preciso estar preparado para lidar com eventuais adversidades! As plantas estão constantemente expostas a diversos desafios, como pragas, doenças e condições climáticas adversas. Ao cuidar de uma horta, desenvolvemos gradualmente a sensibilidade de observar e identificar esses problemas e a encontrar soluções criativas para superá-los. Essa experiência nos prepara para lidar com as adversidades da vida, desenvolvendo nossa capacidade de adaptação e superação. Ao cultivar a terra, estamos cultivando, também, nossa própria capacidade de resiliência e crescimento.
Mas é claro que por melhor que lidemos com as adversidades, toda planta morre um dia. A horta nos confronta com a realidade da finitude, pois as plantas, assim como todos os seres vivos, têm um ciclo de vida. Algumas plantas têm um ciclo mais longo, e talvez nem as vejamos morrer um dia. Outras têm um ciclo mais curto, e nos ensinam de forma pedagógica sobre a dinâmica cíclica da vida – semente que vira planta que produz a semente e morre, germinando uma nova semente, renovando-se continuamente! Há também aquelas plantas que morrem antes de completarem seu ciclo de vida. Seja por falta de água, ataque de formiga, doença, algum motivo! E às vezes era uma planta que tentamos de todo jeito salvar, ou até mesmo uma que tínhamos um carinho especial e queríamos muito vê-la crescer! Pelo menos uma vez, todo jardineiro ou agricultor se depara com a tristeza da perda. Mas como a agricultura se trata de continuidade e perseverança, encontramos força para seguir em frente. E qual não é a alegria na hora em que colhemos os tão esperados frutos? Frutos da nossa paciência, resiliência, disciplina e carinho.
A relação com a natureza cultivada desperta em nós uma profunda conexão emocional com a Terra. Ao plantar, cuidar e colher, vivenciamos a alegria da criação, a tristeza da perda e a gratidão pela abundância. A horta se torna, assim, um espaço de aprendizado não só sobre os processos biológicos, mas também sobre nossos próprios sentimentos e emoções.
Além disso, cuidar de uma horta nos convida a sincronizar nossas ações com os ritmos da natureza. A necessidade de regar as plantas, de adubar o solo, de plantar e colher para ter o alimento continuamente nos impulsiona a estabelecer rotinas que respeitam os ciclos do dia e da noite, das estações do ano e das fases da lua. A rega, por exemplo, é um cuidado essencial que varia de acordo com a época do ano e as condições climáticas. Em períodos de seca, as plantas exigem uma atenção especial com uma rotina bem estabelecida de rega que não dá folga em feriados, ou fins de semana. Já em épocas de chuva, a necessidade de irrigação diminui – podemos descansar da rega, mas é um tempo próspero para preparar a terra para plantio de grãos, leguminosas, árvores frutíferas, preparar sistemas agroflorestais! Mantemos nosso ritmo de ir para a horta, agora realizando atividades próprias da época, com eventuais momentos de aproveitar os revigorantes banhos de chuva!
Ao trabalhar com a agricultura, percebemos a importância da regularidade e da constância em nossos cuidados. A horta se torna, assim, um verdadeiro relógio biológico, que nos ajuda a marcar o tempo e a nos conectar com os processos naturais que regem nossas vidas. E esse ritmo e rotina bem marcados que são intrínsecos à agricultura, são imensamente benéficos ao desenvolvimento pessoal de adolescentes e crianças. Ao vivenciar um fluxo regular de atividades, a criança interioriza um senso de ordem e segurança e se sente à vontade para aprender e crescer.
E isso tudo sem citar os benefícios das atividades ao ar livre, de forma geral, no desenvolvimento infantil! A céu aberto, a criança entra em contato com uma variedade de estímulos sensoriais, como o vento, o sol, a terra, a água e os diferentes sons e aromas da natureza. Esses estímulos são fundamentais para o desenvolvimento de seus sentidos, que por sua vez, influenciam o desenvolvimento cognitivo e emocional. Ao tornar a natureza um ambiente familiar e acolhedor, estando diariamente em contato com ela, a criança também desenvolve um vínculo emocional que a incentiva a protegê-la e a preservá-la. Ah sim, e os vegetais e os legumes também ficam mais interessantes de serem consumidos (afinal, nós que os plantamos!). Já os passarinhos e os insetos viram nossos colegas de sala de aula, despertando diversos aprendizados através da curiosidade.
Finalizo esse texto com um trecho de livro “Boniteza de um Sonho: ensinar e aprender com sentido” do educador brasileiro Moacir Gadotti:
“Um pequeno jardim, uma horta, um pedaço de terra, é um microcosmo de todo o mundo natural. Nele encontramos formas de vida, recursos de vida, processos de vida. A partir dele podemos reconceitualizar nosso currículo escolar. Ao construí-lo e ao cultivá-lo podemos aprender muitas coisas. As crianças o encaram como fonte de tantos mistérios! Ele nos ensina os valores da emocionalidade com a Terra: a vida, a morte, a sobrevivência, os valores da paciência, da perseverança, da criatividade, da adaptação, da transformação, da renovação.”
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